O Presidente da República assinou, na última terça-feira (30/04), a Medida Provisória nº 881 (“MP 881/19”), também chamada de “MP da Liberdade Econômica”, que institui a declaração de direitos de liberdade econômica e estabelece garantias de livre iniciativa. Segundo notícia publicada pelo Ministério da Economia, o texto da medida provisória baseia-se em 17 princípios de liberdade, dentre os quais se incluem a “liberdade de trabalhar e produzir”, a “liberdade de empreender”, a “liberdade de modernizar”, a “liberdade de pactuar” e a “liberdade de regulação econômica”.
As mudanças pretendem aproximar as práticas adotadas no Brasil da realidade existente em outros países que concorrem na atração de investimentos e a utilização da expressão “Declaração de Direitos” demonstra a relevância que o Governo Federal quis dar ao tema. Neste sentido, ainda que alguns dos princípios e regras contidos na MP da Liberdade Econômica possam ser encontrados em outros dispositivos legais existentes, é possível interpretar que o Governo Federal tenha pretendido elevar tais regras à condição de pilares da atividade econômica.
A medida provisória representa uma sinalização do Governo Federal aos agentes econômicos nacionais e estrangeiros sobre os incentivos para o exercício da atividade econômica no País, com o objetivo de aumentar a competitividade no cenário internacional.
As disposições e mecanismos criados pela MP 881/19 vão, portanto, no sentido de aumentar a eficiência da atuação dos agentes do Estado, conferir segurança jurídica à atividade econômica exercida por particulares, ressaltar determinadas diretrizes que devem embasar a contratação privada, desburocratizar e simplificar os procedimentos necessários para o exercício de atividades econômicas e criar mecanismos para facilitar o empreendedorismo e o investimento privado, em especial o de longo prazo.
Suas regras têm ampla abrangência e alcance, devendo ser observadas na aplicação e interpretação de direito civil, empresarial, administrativo, econômico, urbanístico e do trabalho, bem como na ordenação pública sobre o exercício das profissões, juntas comerciais, produção e consumo e proteção ao meio ambiente. Contudo, determinados comandos da MP foram expressamente excepcionados quanto ao direito tributário e ao direito financeiro.
A MP 881/19 estabelece três princípios norteadores de sua aplicação: a presunção de liberdade no exercício de atividades econômicas, a presunção de boa-fé do particular e a intervenção subsidiária mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas e nos pactos privados. Além disso, cria os direitos essenciais de liberdade econômica, aplicáveis às pessoas físicas e jurídicas, com o intuito de fomentar o desenvolvimento e crescimento econômicos do País. Dentre estes direitos, incluem-se:
• Direito de não ter restringida, por qualquer autoridade, a liberdade de definir o preço de produtos e serviços em função da oferta e da demanda de mercado, exceto em situações de emergência ou calamidade pública (direito este que não se aplica à legislação de defesa da concorrência, direito do consumidor e demais disposições protegidas por lei ou, ainda, às situações em que o preço seja utilizado com a finalidade de reduzir tributo ou postergar seu pagamento ou de remeter lucros ao exterior em forma de custos);
• Direito de receber tratamento isonômico de órgãos e entidades da administração pública quando do exercício de atividade econômica, os quais deverão observar os mesmos critérios de decisões administrativas anteriores;
• Direito de gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, devendo sua interpretação ser feita de forma a preservar a autonomia de vontade das partes, na maior extensão possível;
• Direito de desenvolver, executar, operar ou comercializar novas modalidades de produtos ou serviços, quando normas infralegais se tornarem desatualizadas por força de desenvolvimento tecnológico consolidado internacionalmente;
• Direito de ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais serão objeto de livre estipulação entre as partes, com aplicação das regras de direito empresarial apenas de forma subsidiária, não podendo nenhuma das partes invocar posteriormente norma cogente contra a qual pactuou;
• Direito de ter a garantia de que o particular receberá um prazo máximo expresso para análise de solicitações de atos públicos de liberação da atividade econômica, desde que apresentados todos os elementos necessários à instrução do processo, ressalvadas matérias tributárias ou financeiras e algumas outras situações expressamente indicadas na norma; e
• Direito de arquivar qualquer documento por meio digital ou de microfilme, hipótese em que estes estarão equiparados a documentos físicos para todos os efeitos legais.
Os direitos de que trata a medida provisória não se aplicam às hipóteses que envolverem segurança nacional, segurança pública ou sanitária ou saúde pública. Contudo, nestes casos, a norma cria uma relevante medida de inversão do ônus da fundamentação, determinando que caberá à administração pública, quando solicitada, de forma expressa e excepcional, demonstrar a imperiosidade da restrição.
No que tange às garantias de livre iniciativa, a MP 881/19 determina que a administração pública deverá evitar o abuso do poder regulatório que possa, indevidamente, criar reserva de mercado, impedir a entrada no mercado de outros competidores, nacionais ou estrangeiros, impedir ou retardar a inovação e a adoção de novas tecnologias e aumentar o custo de transação sem demonstração dos benefícios, ou estabelecer outras barreiras previstas no texto legal.
A norma estabelece ainda que propostas de edição e alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou usuários de serviços, que sejam editados pela administração pública, deverão ser precedidas da realização de análise de impacto regulatório, para verificação de sua razoabilidade, notadamente quanto aos efeitos econômicos. A metodologia e os requisitos mínimos a serem considerados nesta análise serão objeto de regulamentação específica.
Além das disposições gerais sobre liberdade econômica, a MP 881/19 também altera alguns artigos do Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) e cria novas disposições.
Dentre estas alterações, inclui-se artigo que tem como objetivo reduzir as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, ficando essa admitida em caso de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade (entendido como a utilização dolosa da personalidade jurídica para lesar credores e praticar atos ilícitos) ou confusão patrimonial (quando não existe separação de fato entre o patrimônio da pessoa jurídica e o de seus sócios e/ou administradores).
No que se refere à liberdade de contratar, o Código Civil passa a prever que esta será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, devendo, porém, ser observado o disposto na declaração de direitos de liberdade econômica. Além disso, fica estabelecido que deverá prevalecer, nas relações contratuais privadas, o princípio da intervenção mínima do Estado e que, nas relações interempresariais, deve-se presumir a simetria dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles definida.
A medida provisória cria um novo capítulo no Código Civil para tratar de fundos de investimento, atendendo uma demanda antiga do mercado, aproximando a estrutura dos fundos brasileiros àquelas usadas em outras jurisdições, ao estabelecer responsabilidade limitada para investidores e a segregação de responsabilidade entre administradores, gestores e custodiantes.
Ainda, foi alterado dispositivo relacionado às sociedades limitadas, de forma a estabelecer que este tipo societário pode ser constituído por sócio único.
A Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976) sofreu modificações pontuais, dentre as quais se destaca a autorização para que a Comissão de Valores Mobiliários, por regulamentação própria, flexibilize exigências de forma a facilitar o acesso de pequenas e médias empresas ao mercado de capitais.
No campo tributário, a MP 881/19 propõe a instituição de um comitê formado por membros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, da Receita Federal e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”) para edição de súmulas da administração tributária federal, que deverão ser observadas nos atos praticados pelos órgãos da administração, além de estabelecer a obrigatoriedade de aplicação de critérios de interpretação adotados em decisões administrativas anteriores.
Ademais, no que tange à condução de ações judiciais e processos administrativos, a PGFN passará a ficar dispensada de contestar e recorrer em diversas situações em que hoje é compelida a fazê-lo, o que pode diminuir a duração dos processos administrativos e judiciais.
Por fim, a medida provisória também altera outras leis e decretos, incluindo a Lei de Recuperação e Falência (Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2009), a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973) e a Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, que dispõe sobre o cadastro de créditos não quitados de órgãos e entidades federais.
A norma entrou em vigor na data de sua publicação, ocorrida também no dia 30 de abril. Contudo, o dispositivo que trata do prazo máximo para análise de solicitações de atos públicos de liberação da atividade econômica tem sua eficácia suspensa pelo prazo de 60 dias contados da data de publicação. Uma vez encerrado este prazo, o agente público passa a se sujeitar a responsabilização administrativa.
A relevância, urgência e constitucionalidade da MP 881/19 será analisada por uma comissão mista do Congresso Nacional e deverá ser votada e aprovada em até 120 dias, sob pena de perder a eficácia. Além disso, muitos dos princípios e regras acima dependerão de regulamentação para ter efeito prático na vida das pessoas físicas e jurídicas, além de estarem sujeitos ao escrutínio e interpretação dos órgãos de controle e tribunais nacionais.
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